O público brasileiro vai poder acompanhar, a partir de hoje (10) na TV Brasil, uma novela na qual quase todos os atores são negros e desempenham os mais variados papéis como empresários, modelos e jornalistas. Além de mostrar um cenário de glamour e ambição, a novela Windeck, produzida em Angola, traz elementos da tradição e da cultura africana, como costumes e dança.

“Não é uma mera exibição de novela, é política pública. Estamos dando espaço para a representação negra positiva e para a África se mostrar para os brasileiros da maneira que o brasileiro mais gosta e melhor recepciona a informação”, explica o diretor-geral da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), Eduardo Castro. Antes de decidir pela exibição da novela, a EBC promoveu discussões com integrantes do movimento negro para verificar a receptividade da trama.

Castro destaca que, em Windeck, os personagens negros aparecem em funções de destaque na sociedade, como donos de empresas, presidentes de banco e modelos. “Negro não é o que vemos nas nossas novelas: serviçal, abridor de porta, jogador de futebol e pagodeiro”, diz. Além de apresentar elementos culturais de Angola, a novela traz temas como a violência doméstica, a homofobia e as doenças sexualmente transmissíveis. Segundo Castro, todos esses temas serão debatidos nos programas da EBC.

A ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Luiza Bairros, foi a primeira a assistir a um capítulo da novela. Por acreditar que a exibição da trama representa a concretização de uma política pública, a secretaria patrocinou o licenciamento da novela para a transmissão no Brasil.

Para a ministra, Windeck representa uma trincheira importante, pois as novelas brasileiras mostram uma imagem do negro estereotipada. “A exibição da novela é fruto de uma parceria da Seppir e da EBC para mostrar que é possível, dentro de um gênero que é tão comum no Brasil, ter protagonistas negros, é algo simples de fazer”, disse a ministra, em entrevista ao programa Espaço Público, da TV Brasil.

A secretária de Políticas para Comunidades Tradicionais da Seppir, Silvany Euclênio, diz que a exibição da novela no Brasil deverá servir como um contraponto às novelas produzidas no país, onde a maioria do elenco é branco e os negros são incluídos em papéis menores. “Vamos ver negros em diferentes papéis, tanto personagens com características positivas, como mais negativas, como é o ser humano de qualquer origem racial ou étnica”, avalia.

O cineasta Joel Zito de Araújo integrou um dos grupos focais para avaliar a novela. Ele acredita que a trama vai causar um choque estético no público brasileiro, por contar com a maioria do elenco negro, além de mostrar uma visão da África com um grande nível de desenvolvimento, desconstruindo a imagem que muitos têm do continente. “Embora seja uma telenovela, com os cacoetes típicos, que não são muito voltados para o realismo, também nos ajuda a viver um pouco da cultura angolana”, diz.

Ele aposta que o público negro terá uma grande identificação com a telenovela e também comemora o fato de pretos e pardos não aparecerem apenas como subalternos. “É a primeira telenovela que pode despertar um encanto grande na população negra. E se uma parcela dessa população negra acompanhar a telenovela, é uma grande conquista para a EBC”, diz.

O cineasta, entretanto, não tem expectativa de que a trama seja um grande sucesso em todo o país e acredita que Windeck vai agradar mais o público que já gosta desse gênero, especialmente quem gosta de assistir a novelas mexicanas e venezuelanas. “A novela está mais próxima desse tipo de dramaturgia do que da modernidade que tem a dramaturgia da telenovela brasileira”, avalia.

Windeck mostra um continente africano moderno, jovem, completamente diferente do que o Brasil está acostumado a ver, na avaliação da jornalista Angélica Basthi. Para ela, a novela vai ser um marco para a televisão brasileira por ter protagonistas negros e trazer temas próximos da nossa sociedade. “Acho que vai ter uma ótima repercussão e vai criar um novo padrão de visibilidade do negro na sociedade brasileira”, avalia.

Por outro lado, ela critica a forma como as mulheres são tratadas na novela. “Acho que será uma oportunidade para nós discutirmos, aqui no Brasil, as nossas relações de gênero”, diz Angélica, que integra a Comissão dos Jornalistas pela Igualdade Racial do Rio de Janeiro.

O termo Windeck é uma gíria angolana usada para identificar pessoas gananciosas que querem ascender socialmente a qualquer preço. A trama é ambientada em Luanda e é centrada nos bastidores da redação de uma revista chamada Divo.

Windeck tem 140 capítulos e é a primeira novela produzida em Angola. A trama já foi exibida pela emissora TPA, de Angola, e pela RTP1, de Portugal, e em 2013 esteve entre as quatro telenovelas indicadas ao Emmy Internacional, junto com duas obras brasileiras e uma canadense.

A classificação indicativa da novela é 16 anos, por isso será exibida às 23h, de segunda a sexta-feira. A novela será transmitida com áudio original, ou seja, os atores falam o português de Angola, mais próximo à língua falada em Portugal. Ao surgir alguma expressão diferente da usada no Brasil, ela será explicada com uma legenda ou o telespectador será convidado a ir ao site da novela, onde há um glossário. Também há a opção de usar o recurso closed caption da televisão, uma forma de legenda oculta.

Fonte: Agência Brasil